Quando assumi a curadoria do Salão de Ideias da Bienal Internacional do Livro de São Paulo, sabia que seria uma jornada desafiadora e gratificante. O que não esperava era o quão profundas seriam as lições extraídas dessa experiência, que ultrapassaram o campo profissional e tocaram também aspectos pessoais. Ser curador de um evento desse porte, em uma das maiores feiras literárias do mundo, é mais do que definir uma programação; é lidar com complexidade, diversidade, expectativas e, acima de tudo, com a busca de relevância.
Aqui, compartilho o que aprendi ao longo dessa trajetória.
Curadoria é sobre escolhas e renúncias
Uma das primeiras lições foi perceber que fazer uma curadoria é, antes de tudo, um exercício constante de escolhas e renúncias. A pluralidade de temas e autores disponíveis é enorme, e o desafio está em selecionar o que é mais relevante para o momento, para o público e para os valores que o evento deseja promover. Cada escolha que fazemos para incluir um nome ou um tema implica em deixar outros de fora. Não é uma tarefa fácil, mas é necessária. Ao longo do processo, percebi que essas decisões precisam ser orientadas não apenas pelo que atrai atenção, mas também pelo que oferece profundidade e contribuições duradouras para os debates culturais.
Diversidade não é apenas um valor, é uma necessidade
A necessidade de incluir diferentes vozes, representações e perspectivas foi uma lição que veio de maneira contundente. Desde o início, sabia que era fundamental garantir diversidade de gênero, raça, orientação sexual e pensamento, mas ao longo da curadoria, percebi que isso era ainda mais essencial do que imaginava. A Bienal é um espaço onde todas essas vozes devem ecoar, e o Salão de Ideias precisava refletir essa pluralidade. Não foi apenas sobre incluir autores de diferentes origens, mas também de criar mesas e discussões que representassem as complexidades do nosso tempo e as necessidades do público. Cada debate, cada autor e cada tema escolhido estava ali para garantir que a Bienal fosse um espaço de encontro real entre essas diferentes perspectivas.

Conceição Evaristo e Yasmin Santos, sua biógrafa, em um momento histórico do Salão de Ideias
Planejamento é tudo, mas a flexibilidade é indispensável
Organizar uma programação para um evento dessa magnitude requer um nível de planejamento extremo. Entretanto, mesmo com toda a organização, imprevistos acontecem. Houve mudanças de última hora em mesas, ajustes na logística de convidados e pequenos contratempos que exigiram adaptações rápidas. Essa experiência me ensinou que, além de um planejamento sólido, é preciso ter flexibilidade e serenidade para lidar com mudanças repentinas, sem perder a essência do que se quer entregar ao público.
O poder dos encontros inesperados
Um dos maiores prazeres de uma curadoria é ver conversas e interações surgindo de onde menos se espera. Quando diferentes autores, de áreas de atuação ou gerações distintas, são colocados para debater juntos, algo mágico pode acontecer. Durante o evento, testemunhei mesas que transcenderam as expectativas, onde temas inicialmente propostos deram lugar a conversas muito mais ricas e profundas, impulsionadas pela sinergia entre os convidados. Isso me ensinou que o poder de uma boa curadoria não está apenas nas escolhas pré-definidas, mas também no espaço que se cria para a troca espontânea e genuína entre as pessoas.
O público é ativo e fundamental
Uma das grandes surpresas foi o nível de engajamento do público. Não apenas compareceram em peso, mas também participaram ativamente dos debates. As perguntas do público, muitas vezes, trouxeram uma nova dimensão aos temas discutidos, ampliando os horizontes e enriquecendo o conteúdo. Aprendi que, mais do que nunca, o público de eventos literários não quer ser apenas um espectador, mas um participante ativo. É imprescindível ouvir e valorizar essas interações.

Curador também sobe ao palco, mas só para apresentar a próxima mesa… <3
A literatura transcende o livro
O Salão de Ideias não era sobre livros, mas sobre ideias. Embora o foco do evento fosse literário, as conversas iam muito além das páginas impressas. Racismo, saúde mental, ancestralidade, questões de gênero, política, religião e tantos outros temas contemporâneos emergiram das discussões. Isso me mostrou que a literatura é uma porta de entrada para debates sobre o mundo em que vivemos, e que seu papel é, cada vez mais, ser uma ponte entre diferentes áreas do conhecimento e da vida humana.
Trabalhar com pessoas comprometidas faz toda a diferença
Por fim, algo que ficou muito claro é que nada disso seria possível sem uma equipe dedicada e colaborativa. O time por trás do Salão de Ideias foi crucial para o sucesso do evento. Mediadores, produtores, editores, autores, todos estavam alinhados em uma mesma missão: fazer um evento significativo e transformador. Trabalhar com pessoas comprometidas, que entendem o valor do que estão construindo, é a chave para alcançar qualquer resultado positivo.
Conclusão
Ser curador do Salão de Ideias da Bienal Internacional do Livro de São Paulo foi, sem dúvida, uma das experiências mais enriquecedoras da minha trajetória profissional. Cada escolha, cada desafio, cada aprendizado reforçou em mim a importância de pensar criticamente, de agir com propósito e de valorizar as múltiplas vozes que compõem nosso vasto universo cultural. A literatura, afinal, é uma expressão poderosa da nossa diversidade, e curar um espaço como o Salão de Ideias é um convite para celebrar essa riqueza de maneira plena e transformadora.



