O livro Retratos da Leitura no Brasil 6, organizado por Zoara Failla e recém-lançado pelo Instituto Pró-Livro vai muito além de um relatório estatístico sobre hábitos de leitura no Brasil.
É, na realidade, um mosaico de análises, inquietações e propostas, reunindo artigos e ensaios de especialistas que dialogam com os resultados da mais recente edição da pesquisa homônima. O tom é de urgência e mobilização.
A pluralidade de olhares e a articulação entre diagnósticos e propostas tornam o livro fundamental para quem acompanha a evolução do mercado editorial brasileiro e de seus leitores.
A força do volume está na sua capacidade de provocar ideias e extrair insights de quem o lê. “É fundamental criar muito ‘barulho’ para que os resultados da pesquisa sejam ouvidos por quem tem o poder de propor políticas públicas e investir em ações efetivas para transformar esse país em um país de mais leitores críticos, autônomos e que compreendem o que leem”, conclama Zoara.
Em um texto que serve como um chamado à mobilização, Sevani Matos, presidente do Instituto Pró-Livro, destaca a importância estratégica da pesquisa como instrumento de orientação para políticas públicas e iniciativas de fomento à leitura, ressaltando que “a leitura, em sua dimensão simbólica e civilizatória, não se desenvolve espontaneamente; exige mediação, investimento e conhecimento qualificado sobre seus percursos e obstáculos”.
Zoara, que há anos se dedica à coordenação desta pesquisa, faz uma síntese dos principais achados da pesquisa, problematizando o impacto da digitalização e das redes sociais no tempo dedicado à leitura, a perda de leitores em todas as faixas sociais e etárias, e a necessidade de políticas públicas robustas.
“Se continuarmos contemplando passivamente a realidade da leitura no Brasil ou transferindo para algum outro agente, público ou civil, a culpa ou a solução para o retrato que nos encara, talvez já na próxima edição alcancemos o patamar de 80% de não leitores”, alerta a pesquisadora.
Ler é um ato de resistência
O artigo de Karine Pansa, ex-presidente da International Publishers Association, é incisivo ao associar o declínio da leitura ao enfraquecimento da democracia: “O percentual de leitores caiu de 52% em 2019 para 47% em 2024, o que significa que mais da metade dos brasileiros com 5 anos ou mais (53%) não leu nenhum livro, nem mesmo em partes, nos três meses anteriores à pesquisa”.
Pansa cita o Ljubljana Reading Manifesto, lançado na Feira do Livro de Frankfurt em 2023, para defender a leitura profunda como antídoto contra manipulação social e populismos: “A leitura profunda permite ao leitor estabelecer relações entre textos, contextos e culturas, questionar pressupostos, reconhecer vieses e desenvolver autonomia intelectual”. Pansa é contundente ao afirmar que “ler, hoje, é, mais do que nunca, um ato de resistência”.
Bibliotecas
como ‘capsulas de atenção’
Bel Santos Mayer, referência em bibliotecas comunitárias, denuncia o fechamento de quase 1.500 bibliotecas públicas em oito anos e a queda de frequentadores: “Se, em 2019, 17% dos respondentes disseram frequentar bibliotecas sempre ou às vezes, em 2024 esse percentual caiu para 9%”, diz a especialista.
Mayer defende a biblioteca como “cápsula de atenção”, espaço de acolhimento e construção de sentido, e apresenta dados e relatos que evidenciam o impacto dessas instituições na formação de leitores em contextos periféricos.
“Essa modalidade de biblioteca é reconhecida por seus frequentadores – na maioria jovens, mulheres, pessoas pretas, indígenas e periféricas – como o espaço que os(as) acolheu e reconciliou com a escola e a continuidade dos estudos”, escreve a educadora social.
Formação de Leitores é responsabilidade de todos
As análises feitas a partir dos resultados da pesquisa Retratos da Leitura seguem, tratando da formação do leitor. As educadoras Idmea Semeghini-Siqueira e Nágila Euclides da Silva Polido investigam o impacto da pandemia e da crise educacional sobre a formação leitora das crianças.
“A queda do percentual de leitores de 52% (2019) para 47% (2024) e da média de livros lidos entre todos os entrevistados nos últimos três meses, de 2,60 (2019) para 2,04 (2024), sinaliza que o comportamento leitor e os hábitos de leitura do brasileiro apresentam sequelas do cenário excepcional dos últimos cinco anos”, apontam Idmea e Nágila.
Já Ana Erthal aborda o fenômeno dos influenciadores digitais e sua relação ambígua com a formação de leitores. Erthal questiona: “O ‘prazer de ler’ pode estar sendo substituído por resenhas e resumos que economizam horas de leitura?”. Será que os booktokers e outros influenciadores estimulam o consumo de livros, mas não formam leitores críticos e autônomos?, questiona Erthal que alerta ainda para o risco da superficialidade e da leitura fragmentada.
Ainda no campo da formação de leitores, João Luís Ceccantini e Luiz Fernando Martins de Lima apontam que o mercado editorial percebeu algo que a Retratos da Leitura já revelava: os leitores estão aí, eles não desapareceram. Para os autores – com base nos dados da Retratos – o que acontece é que eles estão mergulhados nas redes sociais, assistem a filmes e séries e ouvem música.
No entanto, os autores alertam: “Essas novas mídias de modo algum substituíram a leitura, como muitos acabam por simplificar a questão”. Contudo, apontam Ceccantini e Martins de Lima, essas novas mídias têm substituído os mediadores tradicionais de leitura, como o mundo acadêmico, os prêmios literários, escolas e professores.
“Assim, o leitor se desenvolve como tal sem, necessariamente, a influência de ninguém específico – professores, pais, mães etc. Mas esse fenômeno se dá sob a tutela de um universo cultural multimidiático que necessariamente pisa o tempo todo no mundo das obras literárias – e é esse universo que direciona suas leituras”.
O volume traz ainda textos que analisam e discutem os desafios do acesso ao livro, em especial, a crise das livrarias e a necessidade de políticas públicas estruturantes. Neste sentido, o professor e militante do livro José Castilho Marques Neto é enfático: “Formar leitores/as é uma decisão política estratégica e só se realiza em períodos democráticos e includentes com políticas e planos construídos aos moldes da PNLE e do PNLL”.
Com este arsenal crítico e analítico, o livro Retratos da Leitura no Brasil 6 é um documento essencial para compreender o estado da leitura no país, leitura obrigatória para quem atua, pesquisa ou se interessa pelo livro, pela leitura e pela educação no Brasil.